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O dom da inteligência, da ciência, do entendimento

Miguel Debiasi

Todo ser humano nasce com capacidades para amar, aprender, pensar e outras. Para evolução dessas capacidades é preciso que o indivíduo encontre bom ambiente sociocultural e interaja da forma mais ampla com as pessoas, mundo e cultura. Encontre ambiente e interação que o leve a experiência, reflexão e participação ativa no processo de criação de conhecimento. Todo indivíduo precisa encontrar condições para a evolução da inteligência que é sinônimo de desenvolvimento humano.

Em meio às ondas de anti-intelectualista, de negação do saber, da ciência, nos remetem olhar para a relevância da inteligência física, emocional, racional e espiritual. A evolução dessas capacidades intelectuais ajuda a superar muitos preconceitos sociais, culturais, políticos, econômicos, que afetam o desenvolvimento da sociedade e o crescimento dos humanos.  

Entre todas as inteligências, parece-nos que a menos falada é a Inteligência Física. Esta é aquela que o ser humano facilmente pode aprender a escutá-la, observá-la e valorizá-la. A Inteligência Física está relacionada com nosso corpo. Ela nos permite escutar os sinais que o corpo emite, seja para nos prevenir, como para cuidar dele com alimentação, descanso, nutrição e respiração, bem como identificar todos os sinais agressivos ao corpo, como estresse, doenças, falta de exercícios físicos, abusos alimentares e outros.

A Inteligência Emocional foi um dos assuntos mais comentados na virada do milênio, promovido por Daniel Goleman. Seu livro, intitulado Inteligência Emocional, publicado em 1995, se manteve na lista dos mais vendidos por um ano e traduzido para 40 idiomas. O conceito de Goleman de inteligência ligada às emoções foi considerado uma ideia revolucionária, um divisor de águas por especialistas e estudiosos da mente. A importância da autoconsciência, autogestão, consciência social e da gestão de relacionamentos, são as áreas que todo humano pode gerir a energia emocional e desenvolver o que chamamos de autorregulação. A inteligência emocional permite ao indivíduo aprender a identificar as emoções e seus sinais para que possa regulá-los melhor e dar uma resposta adequada à situação em causa.

A Inteligência Racional é a mais conhecida, tida como a base do funcionamento e do desempenho da sociedade e da educação dos indivíduos. Está relacionada com o raciocínio lógico e estruturado, o poder de análise, a resolução de problemas e toda a parte cognitiva do nosso eu. Em 1912, o psicólogo alemão William Stern propôs o termo QI para avaliar a inteligência racional das crianças com o objetivo de detectar quem teria maior ou menor dificuldade no processo de aprendizagem. Mas a proposta foi duramente criticada porque excluía outras formas de aprendizagem.

A Inteligência Espiritual, que não tem a ver necessariamente com religião, segundo o escritor estadunidense Stephen Covey é a alavanca de todas as outras inteligências. Em sua obra Os 7 hábitos de Pessoas Altamente Eficazes, descreve a inteligência espiritual como o centro e íntimo do ser humano e de sua capacidade de comprometimento com o sistema de valores. Trata-se de uma área muito pessoal da vida, de importância suprema. Ela se nutre das fontes que o inspiram e elevam, vinculando-o às verdades eternas de toda a humanidade. Ela é a conexão mais profunda conosco e com o outro. É a base da harmonia interior e exterior, revela os valores e as crenças que tem o indivíduo.

Todo ser humano tem e pode desenvolver a(s) inteligência(s) e, por conseguinte, pode usar este recurso gratuito para acender a este potencial que habita nele e prol de seu bem e de todos. No bom uso delas, o humano pode utilizar todas as informações e conhecimentos que elas transmitem para melhorar a vida e o relacionamento humano.

O escritor americano, Isaac Asimov diz que “o anti-intelectualismo tem sido uma ameaça constante se insinuando na nossa vida política e cultural, alimentado pela falsa noção que minha ignorância é tão boa quanto o seu conhecimento”. O anti-intelectualismo pode ser observado como um fenômeno mundial contemporâneo.

A filósofa gaúcha Marcia Tiburi escreve que os sintomas do anti-intelectualismo estão presentes na política, na religião, na educação, na economia, na justiça e no povo. No campo político, o anti-intelectualismo pode ser observado nos altos índices de abstenções, votos nulos, brancos e também na expressiva votação de políticos que se apresentavam como não políticos, demonizando a política e seus representantes.

No campo da justiça ocorre o mesmo. O bom juiz é aquele que julga da forma que o povo desinformado julgaria, mesmo que para isso seja necessário ignorar a doutrina, as leis e a própria Constituição da República. Por outro lado, não são raros os casos de juízes e promotores de justiça que respondem a procedimentos administrativos acusados de decidir contra o senso comum propagado pelos meios de comunicação de massa, escreve a filósofa gaúcha.

O ódio pela inteligência está enraizado no mundo moderno usando de categorias pré-modernas. O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), um dos pensadores mais importantes do século XX, aborda reflexões sobre o fenômeno “mundo”, em sua “Metafísica do Dasein” ou do “ser-aí, do ser-no-mundo”. A sua concepção parte da crítica contundente às “visões de mundo” que influenciam o ser humano da atualidade, chegando a desprezar conhecimento, inteligência, ciência, educação, valores comuns.

Este parece ser um problema a ser resolvido pela humanidade do século XXI. Para valorizar o “ser-aí-mundo” exige muito mais que a Inteligência Artificial, apoiada num sistema de dados digitais, sem que o ser humano tome decisão e pense. A Inteligência Artificial, numa visão mais otimista, ela multiplica a capacidade racional do ser humano de resolver problemas práticos, simular situações, pensar em respostas ou, de forma mais ampla, potencializa a capacidade de ser inteligente. Mas seus próprios criadores têm dúvidas quanto a esta capacidade da Inteligência Artificial de potencializar o ser humano enquanto ente pensante a superar o sistema anti-intelectual.

No sistema anti-intelectual habita preconceitos de toda natureza e ódio a muitas categorias de pessoas, como as mulheres, homossexuais, negros, indígenas, imigrantes, lésbicas ou travestis. O ódio é sempre uma ameaça. No ódio há muito medo usado de forma covarde contra os impotentes e indefesos da sociedade. Há um ódio que se dirige à inteligência, ao conhecimento, à ciência, ao esclarecimento, ao discernimento. A ousadia intelectual e conhecimento tornaram-se insuportáveis para muitas pessoas.

Como acredita o cristão, para superar o anti-intelectualismo é preciso abrir-se ao dom do Espírito Santo, que é pleno em ciência, sabedoria, inteligência e entendimento. Como defende Heidegger, o cristão ao invocar o Espírito Santo é um ser-no-mundo que consiste na essência do pensar à luz da revelação e ação de Deus. Como tantos teóricos argumentam, como o cristão acredita, é preciso desenvolver a capacidade de pensar como uma tarefa primordial da existência humana que nos possibilita fazer as perguntas em torno do sentido do Ser que nós mesmos possuímos.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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