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Identificar a realidade faz bem a todos

Miguel Debiasi

 

Quando as falsas  notícias conseguem distorcer os fatos, quando as universidades são solapadas e condenadas como fontes de preconceitos, a própria realidade é posta em dúvida. Substituir a verdade pela inverdade desestabiliza as relações sociais e torna-nos incapazes de avaliar argumentos com base no padrão comum, cai-se na irrealidade. As falsas notícias é um dos grandes problemas a ser combatido em nosso tempo.

Em 2017 a editora inglesa Collins elegeu como a palavra do ano post- truth – “pós verdade”, juntamente com a expressão fake News – “notícias falsas”. Segundo a editora, a expressão fake News, ganhou fama a partir de 2016 após dois fenômenos de grande repercussão na política internacional: a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) e a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos da América. Desde então post- truth e fake News, são termos corriqueiros e ganharam relevância na ordem do debate educacional, jornalístico e político em nível nacional e internacional.

Para superar nossa ingenuidade sobre essa questão é preciso nos perguntar: As fakes news são do nosso tempo? As falsas notícias com alta disseminação social não são um fenômeno contemporâneo. Historicamente, livros foram impressos contendo  meias verdades. Inúmeros jornais e panfletos espalhavam todo tipo de notícia iinfundada. Notícias do tipo que “Elvis não morreu” ou de que o homem nunca pisou na Lua circulavam na opinião social, sendo tomadas por verdades por parte da população. Em todos os tempos, mentiras, desinformações, teorias conspiratórias das mais delirantes circulavam no coletivo social.

Também é preciso nos perguntar: qual o objetivo das fake news? O fenômeno das falsas notícias tem uma dimensão claramente política, com objetivo de eliminar membros e líderes da sociedade, configurar opiniões públicas e despertar simpatias por líderes contrários aos sistemas democráticos. Sendo o fenômeno sociopolítico de maior impacto  negativo a na sociedade neste início do século XXI.

A filósofa alemã de origem judaica, uma das pensadoras mais importante do século XX, Hannah Arendt (1906-1975), em 1967, publicou um texto intitulado Verdade e Política, na revista norte-americana The New  Yorker, no qual desnuda o fato de que a atividade política nunca teve a verdade como uma de suas virtudes. Sem a verdade a política distorce os fatos para que possam servir a determinados projetos de maneira abusiva e perversa no que possa ser compreendida como uma ação política. Em regimes totalitários, ocorre o esforço político de reescrever fatos que  tendem a assumir contornos dramáticos, dando forma a uma mentira organizada e generalizada que, ainda que seja incapaz de produzir uma nova, tem a força de destruir a verdade factual, talvez de maneira irrecuperável, escreve a filósofa. 

Estudiosos das redes sociais analisam que a conexões entre as pessoas têm evoluído a passos largos com a invenção da internet. A evolução da tecnologia da informação e da comunicação (TICs) é de suma importância para a civilização do século XXI viver uma nova era sociocultural, onde barreiras geográficas e a  distância não podem impedir o compartilhamento de conhecimento e de informações. O acesso dos smartphones acrescentou um novo e importante  capítulo na história da civilização moderna, transformando a Internet em uma ferramenta portátil, ubíqua, que modifica radicalmente nossa relação com o mundo e à nossa volta.

O crescimento exponencial das novas tecnologias e do acesso a elas, criou nova revolução na maneira como a sociedade se informa e se comunica, permitindo o envio de mensagens instantâneas e serviços de voz e  vídeo a nível global. Na quantidade de informações que o indivíduo recebe, supera sua capacidade de  apurá-las. Sem regulamentação, a divulgação de notícias pela internet não possui o compromisso com a verdade. Pela facilidade do acesso à internet, todos podem criar sua página jornalística e publicar qualquer coisa e expressar sua versão sobre determinado assunto.

A Internet e o crescimento das mídias sociais não inventaram o fenômeno da desinformação, mas criaram um ambiente  propício para que houvesse uma difusão em massas de notícias falsas, em velocidade nunca antes vista na história da humanidade. Estudiosos apontam algumas características que facilitam a circulação da desinformação na era da Internet, que nos ajudam a identificar a fonte das fake News e separar a irrealidade da realidade, falso do verdadeiro:

a)  Possibilidade de qualquer pessoa criar um jornal independente e difundir informações nas redes; b) Uso massificado de redes sociais como Facebook e WhatsApp como fonte  primária da informação; c) Interconexão massiva permitindo que várias pessoas sejam atingidas por uma publicação; d) Anonimidade e distanciamento do outro garantido pela rede; e) A polarização da esfera pública, que gera um contexto ideal para a aceitação sem grandes questionamentos de notícias falsas; f) O fato de que, muitas vezes, a pessoa que envia uma notícia possivelmente falsa é um conhecido ou familiar. A proximidade e confiança pessoal com aquele que divulga a informação torna muito mais difícil o descrédito da notícia; g) O uso de bots ou robôs, que são sistemas autômatos que emulam comportamento humano e replicam ações básicas, como seguir determinadas pessoas,  publicar mensagens em massa, direcionar mensagens e inserir hashtags ou links; h) O funcionamento de uma economia de informação baseada na coleta em massa, no tratamento de dados e na criação de perfis individualizados, tornando possível o envio direcionado de informação para os mais variados fins, inclusive político.

Na nossa compreensão as mídias sociais se tornaram  instrumentos hiperpartidários fazendo circular informações infundadas em mundo radicalmente polarizado. A sociedade como um todo precisa fazer uma verdadeira reflexão para combater o problema das fake news e encontrar meios e formas de classificação das informações e que  correspondam à realidade e que opera a verdade. Dessa reflexão possam surgir projetos, ações, leis, políticas e estratégias públicas de combater a as falsas notícias, visto que a irrealidade não faz ninguém crescer de forma consciente e tornar-se um cidadão protagonista de nosso tempo.

No Brasil, está em trâmite no Congresso Nacional uma discussão um Projeto de Lei (PL 2630/2020) com o objetivo de aprovar políticas públicas para combater as fake News e instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, como mecanismo de proibição de conteúdos falsos vinculados  às Redes Digitais. Se aprovada a PL 2630/2020 será uma medida de grande valia para vivermos com os pés no chão e com compreensão da realidade sem ilusões e manipulações de consciência, visando uma formação e sociocultural-política libertadora.  

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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