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As compotas de pêssego do Frei Terenciano Rigo

Miguel Debiasi

Domingo é um dia diferenciado, santo. É o domingo que dá significado aos dias da semana. A segunda-feira não teria sentido se não tivesse desfrutado do domingo. A terça, quarta, quinta, sexta prepara a chegada do domingo. Domingo é uma páscoa. É o dia da vida. Tudo está inerente nele. Nele está a espiritualidade, a confraternização, a celebração, a visita, o lazer, o passeio, o namoro e o estudo. O domingo é o dia a ser vivido na intensidade da vida. A letra e a música do salmista dizem isto: “Este é o dia que o Senhor fez, exultemos e alegremo-nos nele” (Salmo 118,24). Nesse dia a vida fala mais alto. Em nosso tempo, o domingo precisa ser mais valorizado.  

A pandemia viral da covid-19 matando milhões de pessoas no mundo leva-nos a refletir sobre a frágil existência humana. O retorno da fome e da pobreza no país leva-nos a pensar a função social dos bens e do capital. A concentração de renda nas mãos de poucos bilionários fazendo uma multidão de miseráveis leva-nos a ler a filosofia do pensador Karl Marx. O aquecimento global, a poluição do planeta terra e água pelo uso desmedido de agrotóxicos leva-nos a leitura do padre, teólogo e filósofo jesuíta Pierre Teilhard de Chardin. A deturbada relação humana com o universo leva-nos assumir a encíclica do Laudato S’i do Papa Francisco e a Teologia da Criação de Leonardo Boff. A explosão do ódio e da intolerância contra as classes sociais populares leva-nos a reagir com atitudes que edificam todas as pessoas como fez o africano Nelson Mandela. A competição entre as religiões nos convida a lermos os escritos do teólogo suíço Hans Küng para construirmos a paz entre todas as comunidades cristãs e não cristãs.

A essa altura o leitor pode estar se perguntando o que isto tem haver com o domingo, dia do Senhor para os cristãos? Tudo é a resposta. Morte, doença, pobreza, aquecimento global, concentração de renda, destruição do planeta, ódio, intolerância e proselitismo religioso, são fatos e realidades que perpassam todos os dias da semana. Essa triste realidade impõe a milhões de pessoas a impossibilidade de celebrar o domingo como o dia da vida, do passeio, do lazer, da festa e outras ações. Como denuncia o profeta a Amós, “esse dia será das trevas, não da luz” (Amós 5,18). Para milhões de pessoas empobrecidas o domingo tornou-se outro dia penúria. A concentração de renda em poucas mãos incentiva nos opulentos o materialismo, consumismo, exploração, apropriação, indiferença e egocentrismo. Para estes o domingo não significa a correção para a justiça (Joel 2,1-11) e nem a preparação para o julgamento final da vida temporal (2Pedro 3,10).

Nas distintas realidades da pobreza e dos abastados, o domingo deixou de ser o dia de benefício humano, dos bons propósitos, das boas ações, do pensamento para Deus (Marcos 2,27). Essa realidade diz que é preciso resgatar o domingo como dia santo e tempo de graça para a humanidade. Para isto será preciso tornar a sociedade mais justa onde os dias da semana sejam de trabalho ético, salário suficiente, acesso ao alimento e aos recursos para o digno sustento da vida humana. A transformação da sociedade precisa ser profunda para que a semana seja de dias abençoados para a humanidade, tornando o domingo dia santo de confraternização humana e de celebração da vida em Deus (Gênesis 2,2-3). A transformação da sociedade é desafio dos cristãos resultando o domingo o santo dia da libertação (Êxodo 20,8). O dia da ressurreição da vida (Atos dos Apóstolos 20,7). Dia em que a vida é celebrada com fé e festejada com ricas iguarias sobre a mesa de todos. Este é o sonho que Deus espera tornar-se realidade para todos os humanos.  

A humanidade e o mundo caminham para o fracasso ao fazer do domingo um dia comum de trabalho. O domingo deveria ser preparado por uma semana de abençoado e frutuoso trabalho. Quando ocorrer isto será o domingo dia da celebração da fé em Deus e da renovação da esperança humana. Será o dia da arte culinária em que são oferecidos os mais deliciosos comes e bebes. Das sobremesas geladas, rápidas, fáceis como pudim, sagu com creme, torta de bolacha, mousse, chico balanceado, doce de abóbora com cal e calda grossa para coroar de gozo e júbilo o almoço dominical. Há! O dia das compotas de pêssego com calda grossa. Quem não gostaria de servir-se das compotas de pêssego com calda do Frei Terenciano, preparadas com tamanha dedicação. Aquelas compotas em que é retirada a pele do pêssego delicadamente, levada ao fogo de fogão a lenha com água e açúcar formando o caldo grosso, guardadas em potes de vidro esterilizado. E depois prontas colocadas na prateleira da cozinha para provocar a guloseima onde se espera a chegada do domingo. 

Nem o prolongado tempo de estiagem de setembro a janeiro prejudicou a produção de compotas do Frei Terenciano que com seus noventa anos de vida têm energia, levando diariamente um pote de água ao pé do pessegueiro produzindo pêssegos em abundância. Dessa tamanha dedicação frei Terenciano prepara as melhores compotas de pêssego em calda grossa que garante a deliciosa sobremesa dominical servida aos frades capuchinhos. As compotas do Frei Terenciano dão um sabor todo especial ao domingo, vale a pena trabalhar por uma sociedade mais justa, aquela da sobremesa em todas as mesas das famílias. É preciso trabalhar para realizar essa sociedade, a mais justa e digna a todos os humanos. Trabalhando para essa realização nutrimo-nos espiritualmente do sonho de Deus (Isaías 25,6) onde ele mesmo prepara e oferece aquele banquete nupcial (Mateus 22,1-14; Lucas 14,15-24) aos seus filhos e filhas com as mais ricas iguarias como de carnes gordas acompanhadas de deliciosas compotas de pêssegos em calda grossa, iguais as do frei Terenciano.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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