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Aos nobres picanha e ao povo pelanca

Miguel Debiasi

 

A fome e a má alimentação são grandes tormentos do século XXI. Desde os primórdios da humanidade a fome e a má alimentação tem feito milhões de vítimas. Hoje, essa situação tem se agravado por vários fatores socioeconômicos. O combate desse tormento humano quer políticas públicas nacionais e globais eficientes e gestores comprometidos com a causa.  Quanto a isto temos boas iniciativas mundiais e também omissões nacionais.

Entre as boas iniciativas globais está o trabalho da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO – em inglês Foord and Agriculture Organization). Esta organização é um braço da Nações Unidas (ONU), a quem cabe liderar por meio de políticas públicas globais e fomentos de projetos nacionais a erradicação da fome e combate à pobreza. A FAO tem como lema de trabalho: fiat panis, traduzido do latim, significando – haja pão. Criada em 1945, na cidade de Quebec, Canadá, por 194 Estados-membros, mais a União Europeia (UE), hoje está presente em mais de 130 países. A FAO funciona como um fórum independente dos governos, tendo como objetivo principal promover o desenvolvimento agrícola, melhorias nutricionais, segurança alimentar, cuidados ambientais e acesso aos alimentos essenciais para uma vida saudável.

Segundo a ONU em 2019 eram 820 milhões de pessoas que passavam fome no mundo. E, estima-se que 10 milhões de pessoas por ano entram para o mapa mundial da fome. Visando combater esse mal que flagela milhões de pessoas, a FAO atua de forma prioritária em alguns setores: a) erradicação da fome em todos os estados, a insegurança alimentar e a má nutrição, facilitando políticas e compromissos políticos em segurança alimentar; b) tornar a agricultura, a silvicultura e a pesca mais produtivas e sustentáveis; c) reduzir a pobreza rural através de acesso aos recursos e serviços, como emprego rural e proteção social; d) criar e garantir a existência dos sistemas agrícolas e alimentares mais inclusivos e eficientes; e) criar programas de apoio aos pobres e desfavorecidos e garantir metas de desenvolvimento e subsistência. Estas são as boas iniciativas que precisam ser apoiadas pelos gestores públicos mundiais e nacionais, bem como, a sociedade em geral.

Nem mesmo essas boas iniciativas da ONU são suficientes para mobilizar os gestores públicos locais. Para maioria dos gestores a questão da fome e da má alimentação nem se quer faz parte de seus programas de governo. Em geral, há uma desconsideração com aqueles/as que tem a mesa vazia. Por maior que seja o grito do faminto não fere a consciência daqueles que foram eleitos para servir o bem comum e que só tem olhos para os saciados. Os saciados de uma forma ou de outra sustentam os governos direcionados à manutenção do status quo, impedindo implementação de políticas públicas transformadoras. Na maior parte os compromissos dos gestores públicos com seus munícipes, a realidade não é transformada e a situação dos famintos se prolonga sem término. A falta de propostas direcionadas a superação da fome e da má alimentação são omissões comuns nas plataformas dos governos locais.

Em contrapartida, a mesa dos brasileiros fica cada vez mais escassa de alimento, como do consumo de carne bovina que chega ao menor índice em três décadas. Durante o ano 2019 a queda de consumo de carne bovina chegou 26,4%. Segundo Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o ano de 2021 a queda já chega a 14%. Reuters Guilherme Malafaia, pesquisador do setor de bovinos da Embrapa, disse que a pandemia e a crise econômica do país empobreceram a população e gerou perda de poder aquisitivo, enfraquecendo o consumo interno da proteína. Nisso, a mesa dos brasileiros esvaziou-se dos produtos mais necessários para uma alimentação de qualidade, criando uma situação de perigo social e de profundas carências materiais.

No domingo das mães, o pão com leite condensado e o cachorro quente na rua que o presidente Jair Bolsonaro gosta de exibir nas redes sociais deram lugar a peças de picanha que custam R$1.799,99 o quilo, quase dois salários mínimos. A carne foi preparada pelo churrasqueiro que se autodenomina “Tchê”, conhecido como “Churrasqueiro dos Artistas”. Segundo reportagem da Folha de São Paulo, tratava-se de uma picanha vendida pelo Frigorífico Goiás e que leva o nome de “Picanha Mito”, tendo uma caricatura do presidente na embalagem. O fato representa muito bem a história do Brasil, aos nobres picanha e ao povo pelanca. O governo Bolsonaro é a reprodução desta história. Aliás, a clã Bolsonaro é a caricatura da história dos privilegiados e dos saciados do país. Em contrapartida, a maioria da população está no outro lado da história, dos últimos, daqueles da mesa vazia. A estes, os últimos, em suas panelas a pelanca, o resto dos restos das proteínas de origem animal.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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